Ainda que eu tivesse cometido algumas injustiças com Lula, coisa de que discordo, de uma certamente eu o teria poupado: jamais o considerei um idiota. Nunca! Até aponto a sua notável inteligência política, coisa que não deve ser confundida, obviamente, com cultura. O governo vive, a despeito das negativas, uma crise militar. Que é muito mais grave do que se nota à primeira vista. Ela foi originalmente pensada nas mentes travessas de Tarso Genro, ministro da Justiça, e Paulo Vanucchi, titular da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Mas tomou consistência e corpo nos cérebros não menos temerários da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), candidata do PT à Presidência, e de Franklin Martins, ministro da Comunicação Social, hoje e cada vez mais o Rasputin deste rascunho de czarina que pretende suceder Lula.
O imbróglio não deixa de ser um ensaio geral do que pode ser um governo Dilma. Se vocês acham que a ópera, com o tenor Lula, tem lá seus flertes com o desastre, vocês ainda não sabem do que é capaz a soprano. A crise atual mistura temperamento macunaímico, sordidez e trapaça. Dilma, Franklin e Vanucchi, a turma da pesada que, no passado, optou pelo terrorismo e hoje ocupa posições no alto e nos altíssimos escalões da República resolveu dar um beiço nos três comandantes militares. O tiro, tudo indica, saiu pela culatra. E sobrou uma lição aos soldados. Vamos devagar.
Tratemos um pouco do que vocês certamente já sabem e um tanto do que talvez não saibam. Na semana passada, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos publicou um decreto, devidamente assinado pelo presidente Lula. Entre outras providências, instituía uma tal Comissão Nacional da Verdade para investigar crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar.
Pois bem. A questão havia sido negociada com os comandos militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E olhem que estes senhores tinham ido bastante longe — e fica a lição: com essa gente, ceder um braço corresponde a ceder os dois, mais as duas pernas e também a cabeça. Os militares aceitaram a criação da tal comissão desde que o texto não restringisse a apuração de violações ao governo militar: também as organizações terroristas de esquerda teriam sua atuação devidamente deslindada.
É preciso dizer com clareza, não? Dilma Rousseff pertenceu a uma organização terrorista, homicida mesmo: a Vanguarda Popular Revolucionária. Franklin Martins também praticou terrorismo. O seu MR-8 seqüestrava e matava. Vanucchi foi da Ação Libertadora Nacional, o que significa dizer que era um servo do Manual da Guerrilha, de Carlos Marighella, um verdadeiro manual de… terrorismo, que pregava até ataques a hospitais e dizia por que os bravos militantes deviam matar os soldados.
Pois bem… Quiseram os fatos que estes três se juntassem, com o conhecimento de Tarso Genro, para redigir — alguém redigiu a estrovenga; falo de aliança política —, aquele decreto. E o combinado com os militares não foi cumprido: além de especificar que a Comissão da Verdade investigaria apenas um lado da batalha, há propostas singelas como estas:
— determina que as leis aprovadas entre 1964 e 1985 sejam simplesmente revogadas caso se considere que elas atentam contra a tal “verdade”;
— determina que os logradouros públicos e monumentos que tenham sido batizados com nome de pessoas ligada ao “regime” sejam rebatizados.
Vocês entenderam direito: Lula assinou um decreto que não só dá um pé no traseiro do alto comando como, ainda, anuncia, na prática, a EXTINÇÃO DA LEI DA ANISTIA — para um dos lados, é óbvio. É isto: eles tentaram rever a tal lei. Viram que isso não é possível. Decidiram, então, dar uma de Daniel Ortega, que mandou suprimir trechos da Constituição de que ele não gosta.
LULA SABIA
Já disse: não tomo Lula por idiota — porque só um idiota não saberia. Mas admito: muita coisa tem as digitais do presidente sem que ele tenha a menor idéia do que vai lá. Isso é possível, sim. É por isso que existe uma CASA CIVIL. Não há — NOTEM BEM: NÃO HÁ — decreto presidencial que não tenha a chancela desse ministério. É uma de suas funções — a rigor, é uma de suas principais tarefas.
Logo, funcionalmente, a responsável pelo texto é Dilma Rousseff. Que já se manifestou a favor da revisão da Lei da Anistia, ainda que dê outro nome ao que quer fazer. A questão é saber se Lula se comportou como um cretino ou como um irresponsável: se assinou algo dessa gravidade na inocência, sem ter sido advertido pela Casa Civil, então foi feito de bobo e tem de demitir Dilma. Se, como imagino, sabia muito bem o que ia lá e decidiu testar a elasticidade ou complacência dos militares, agiu como um irresponsável.
Demissão
Trapaceados, os três comandantes militares decidiram pedir demissão. Os generais de quatro estrelas se reuniram para tratar de um assunto não ligado à profissão pela primeira vez em muitos anos. A tal Comissão da Verdade terá de redigir um projeto de lei para ser enviado ao Congresso dando forma e caráter à tal investigação. Lula tem quatro opções:
1 — deixa o texto como está e negocia com os militares um projeto de lei que contemple a investigação dos dois lados;
2 — muda o decreto e o devolve ao que havia sido negociado;
3 — simplesmente recua do texto na íntegra;
4 — a quarta opção é dizer o famoso “ninguém manda nimim” e deixar tudo como está.
Pois é… Só que o “tudo como está” pode significar uma crise sem precedentes, grave mesmo, com possíveis atos de indisciplina.
“A Lei da Anistia é um conquista do povo brasileiro, é seu patrimônio. E de milhares de pessoas que lutaram pela democracia. Por isso, mudá-la, na forma como querem fazer alguns, ou extingui-la é um atentado contra a própria democracia. É constrangedor assistirmos a cenas como essa”, afirma o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional.
Terão os comandantes militares se esquecido do modo como operam as esquerdas, de sua vocação para o ato sorrateiro, para as ações solertes? Só isso pode explicar aquela primeira concordância com a tal Comissão da Verdade. Do conjunto da obra, resta, pois, essa lição. E também há uma outra: em matéria eleitoral e nessa política que precisa de voto, Dilma é uma teleguiada de Lula: sem ele, ela não existe. Mas Dilma é quem é. E também quem foi. Com um simples decreto, que passou por sua mesa de ministra da Casa Civil, criou-se o mais grave incidente militar do governo Lula. O projeto é tê-la agora na Presidência. Vimos como agem com quem tem armas. Dá para imaginar do que são capazes com quem não tem.
Encerro
O nome da comissão — “da Verdade” — só pode ser coisa de algum piadista infiltrado no grupo. Como não pensar imediatamente em 1984, de George Orwell. Essa gente tem um perfil totalitário de manual; são stalinistas do calcanhar rachado. Querem até rever o batismo de logradouros públicos, num daqueles atos típicos de reescritura da história.
Eis um país com Dilma Rousseff no topo. E com Franklin Martins no topo do topo.
PROFESSOR Luiz Cavalcante
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