por - Alderi Souza de Matos
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STROBEL, Lee. Em defesa da fé. Trad. Alderi S. Matos. São
Paulo: Editora Vida, 2002. 363 p.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos cristãos é a
existência de certas questões espinhosas levantadas pelos céticos que parecem
pôr em cheque algumas afirmações centrais da fé cristã. Isto vem acontecendo
desde os primeiros tempos da igreja, como comprovam tanto os documentos do Novo
Testamento quanto os escritos dos apologistas e polemistas, os defensores
intelectuais do cristianismo no 2º e no 3º séculos. O mundo contemporâneo,
secularizado e pluralista, herdeiro do iluminismo e do racionalismo, continua a
fazer formidáveis questionamentos à fé cristã, questionamentos esses que são um
obstáculo para muitos descrentes e uma fonte de incertezas para um grande
número de cristãos. Essas objeções concentram-se em torno de questões como a
fidedignidade da Bíblia, a veracidade das alegações cristãs, bem como a
natureza e o caráter de Deus.
O jornalista e pastor norte-americano Lee Strobel, residente
em Orange County, Califórnia, resolveu examinar especificamente a questão da fé
e da dúvida diante das dificuldades intelectuais e teológicas levantadas pelos
críticos do cristianismo. Ele identificou oito dessas objeções mais
contundentes e entrevistou um igual número de especialistas cristãos no sentido
de respondê-las de maneira relevante para o homem moderno. Com esse livro,
Strobel dá continuidade a uma série de obras apologéticas que começou com Em
Defesa de Cristo (também publicado pela Editora Vida).
O ponto de partida de Strobel é a história de Charles
Templeton, um jornalista que se converteu, abraçou o ministério pastoral e
tornou-se companheiro de Billy Graham em suas primeiras campanhas
evangelísticas. Pouco depois, no entanto, Templeton foi vencido pela
incredulidade e abandonou as suas convicções cristãs. Eventualmente, escreveu
um livro sobre suas experiências, intitulado Despedindo-se de Deus: Minhas
razões para rejeitar a fé cristã. Ao ser entrevistado por Strobel, o
ex-pregador afirmou que o fato específico que o levou a perder a fé em Deus foi
uma fotografia publicada na revista Life. Nessa foto, tirada durante uma seca
devastadora, uma mulher africana segurava nos braços o filhinho morto e olhava
para o alto com uma expressão de desalento. Templeton disse que a partir
daquele momento ficou difícil acreditar em um Deus amoroso e misericordioso.
Os “oito grandes” enigmas examinados por Strobel são os
seguintes: (1) a existência de um Deus de amor diante da realidade da dor e do
sofrimento; (2) a crença em milagres em face dos postulados da ciência; (3) o
conflito entre as perspectivas da criação e da evolução; (4) o caráter de Deus
à luz de passagens bíblicas em que é ordenada a morte de crianças; (5) a
dificuldade de aceitar que Jesus é o único caminho para Deus quando milhões de
pessoas nunca ouviram falar dele; (6) o problema do amor de Deus diante da
realidade do inferno; (7) a violência e os erros da igreja cristã ao longo dos
séculos; e (8) as dificuldades daqueles que crêem, mas ainda têm algumas
dúvidas.
Os entrevistados foram, respectivamente, o filósofo católico
Peter John Kreeft, o apologeta e filósofo William Lane Craig, o cientista
texano Walter L. Bradley, o apologeta e escritor Norman L. Geisler, o
conferencista indiano Ravi Zacharias, o filósofo J.P. Moreland, o historiador
John D. Woodbridge e o pastor e líder cristão Lynn Anderson. Todos são
professores e autores bem-conhecidos nos círculos evangélicos norte-americanos.
Seis deles têm grau de Ph.D., em diferentes áreas.
Como Strobel declara, a partir da sua experiência pessoal
como ex-ateu, os problemas que o interessam são as objeções não somente
racionais, mas emocionais, que as pessoas levantam contra a fé, contra o
próprio ato de crer. Muitas dessas pessoas chegam a ver certos aspectos
atraentes no cristianismo, mas não conseguem transpor algumas barreiras que as
impedem de crer. A abordagem é interessante e acessível, devido ao estilo
jornalístico do autor e ao bom uso da técnica de entrevistas. Ao mesmo tempo, o
livro não deixa de ser profundo e instigante, em virtude do calibre dos
entrevistados, quase todos estudiosos há longo tempo dos temas que lhes foram
propostos. Cada capítulo termina com uma série de perguntas para reflexão
adicional e estudo em grupo.
A primeira objeção abordada, a questão do mal e do
sofrimento, é reconhecidamente uma das mais difíceis de responder. O entrevistado
argumenta que o poder, a onisciência e a bondade de Deus não conflitam com a
existência do mal. Este não é de modo algum resultado da ação divina, mas
decorre de escolhas humanas, do livre arbítrio. Não haveria verdadeira
liberdade no ser humano sem a possibilidade de escolha do mal. Isso levanta uma
pergunta, que deixa de ser respondida: E na eternidade, onde não mais existirá
a possibilidade do mal, as pessoas não serão livres? Ao abordar a segunda
objeção, a questão dos milagres, o entrevistado traça uma distinção
interessante entre os milagres atribuídos a Cristo pelos evangelhos e aqueles
atribuídos a Maomé pela tradição islâmica (Hadith), não pelo Alcorão. A questão
mais central no que diz respeito aos milagres é a da própria existência de
Deus, defendida com cinco argumentos: Deus dá sentido à origem do universo, à
complexidade do universo, aos valores morais objetivos e à ressurreição, e pode
ser experimentado imediatamente.
O capítulo sobre criação e evolução talvez seja o melhor de
todo o livro. Um respeitado cientista, autor de muitos livros e artigos sobre o
assunto, aborda com argumentos bastante pertinentes um elemento crucial que a
teoria da evolução e a ciência em geral até hoje não puderam explicar – a
origem da vida. As seis principais teorias sobre a chamada “evolução
pré-biológica” são rebatidas de modo convincente, ao mesmo tempo em que se
demonstra a única opção possível: a explicação teísta. O capítulo seguinte
aborda a difícil questão das crueldades atribuídas a Deus no Antigo Testamento,
o que levanta sérias indagações acerca do caráter divino. Vale lembrar que
essas preocupações existiram desde a Antigüidade, como atestam os
questionamentos de Márcion, no segundo século, e a predileção pelo método
alegórico de interpretação bíblica, tanto pelos judeus (Filo) como pelos
cristãos. Ainda que muitas histórias chocantes do Antigo Testamento não
impliquem em aprovação das ações descritas, mesmo assim existem diversas
passagens inquietantes, tais como 1 Samuel 15.3 e 2 Reis 2.23-24. A questão
mais profunda em jogo é a própria confiabilidade da Bíblia, a base para se
avaliar o caráter de Deus. São apresentados dois argumentos em prol dessa
fidedignidade: a confirmação pela arqueologia e as evidências de origem divina,
tais como as profecias e os milagres.
A quinta objeção diz respeito às alegações de exclusividade
e superioridade feitas pelo cristianismo em relação às outras religiões. Ravi
Zacharias, um indiano radicado nos Estados Unidos, lembra que outras religiões
mundiais fazem a mesma reivindicação. Ele argumenta sobre a importância da
ressurreição como atestado da divindade de Cristo, que é negada pelas outras
religiões. Só o cristianismo responde de maneira plenamente satisfatória quatro
questões fundamentais que toda religião procura elucidar: origem, significado,
moralidade e destino. Quanto à questão daqueles que não ouviram de Cristo, o
entrevistado levanta algumas possibilidades interessantes com base em passagens
como Atos 17.26-27 e Romanos 1.20 e 2.14-15. O próximo tópico, a existência do
inferno, possivelmente seja o mais difícil de todos. Segundo C. S. Lewis, “é
uma das principais razões pelas quais o cristianismo é atacado como algo
bárbaro e a bondade de Deus é impugnada” (O Problema do Sofrimento). O
entrevistado responde a nove objeções referentes a aspectos da doutrina do
inferno que parecem violar o senso humano de justiça.
A sétima objeção respondida tem a ver com as manifestações
de opressão e violência na história da igreja cristã. Como grandes manchas na
história do cristianismo, são citadas as Cruzadas, a Inquisição, os julgamentos
de feitiçaria em Salem (EUA), a exploração de nativos por parte de missionários
e o anti-semitismo. Exemplos adicionais são a opressão da mulher e a
escravidão. O entrevistado observa que tais práticas, certamente lamentáveis,
não depõem contra o cristianismo em si, mas são um atestado da incoerência de
muitos cristãos. O espírito do cristianismo aponta na direção oposta e tem dado
grandes contribuições à humanidade. O último capítulo do livro analisa a
questão da dúvida religiosa, suas raízes e diferentes manifestações. A fé e a
dúvida são coisas que podem coexistir. A dúvida pode ter um papel positivo,
quando leva a fé a tornar-se mais consciente, mais madura. Na conclusão, o autor
destaca a importância de se considerar o conjunto das evidências a favor da fé
cristã, ao invés de ficar preso a uma ou outra objeção isolada.
Em Defesa da Fé é um livro valioso sobre um assunto deveras
importante. Os diversos erros de revisão felizmente não prejudicam o
entendimento da argumentação. Em certos pontos os argumentos parecem forçados e
certamente só serão aceitos por quem já crê de antemão. Todavia, existe muito
material de grande valor apologético, vazado em linguagem atraente e acessível.
Talvez o maior senão do livro seja a sua ênfase arminiana na fé como
simplesmente “vontade de crer”, deixando de levar em conta a complexidade do
tema e a atuação misteriosa e imprescindível da soberania de Deus. No seu todo,
é uma obra que pode trazer benefícios inestimáveis tanto para cristãos quanto
para pessoas que buscam sinceramente a verdade sobre a fé cristã.
Fonte: Mackenzie
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